Entrevista: Militante LGBT do GRUPO SOMOS explica o motivo do fechamento e tece críticas à regulamentação de ONGs no Brasil.
Na segunda, 30 de janeiro, fomos surpreendidos com a notícia de que o GRUPO LGBT SOMOS, de Porto Alegre, estaria fechando as portas. A ONG que completou 10 anos em 2011, luta pelo respeito à diversidade, atuando em vários campos como: educação, saúde, direito, comunicação e cultura.
Entramos em contato com um dos membros do SOMOS, o ativista LGBT, Sandro Ka, 30 anos, que falou um pouco sobre o seu primeiro contato com o grupo, das atividades da ONG, do motivo do fechamento, além de tecer críticas em relação a regulamentação de ONGs no Brasil.
1 – Como foi o seu encontro com o SOMOS?
Desde 2005, trabalho junto ao SOMOS como voluntário. Aproximei-me da Militância LGBT no interesse de desenvolver alguma atividade colaborativa que tivesse algum engajamento político. Na ocasião, estávamos às vésperas de mais uma Parada de Orgulho LGBT. Procurava uma maneira de colaborar, mesmo não imaginando a dimensão social contida numa construção política de cidadania a qual representa uma manifestação cultural como esta.
Aconteceu o evento e eu já me via mergulhado neste novo caminho que se desenhava como possibilidade de realização de um trabalho comprometido com uma causa social. E aos poucos, comecei a entender os diversos significados da atuação, de forma coletiva e organizada, em prol de um ideal, mesmo que delineado por utopias apaixonadas e crentes, em minha fantasia de jovem militante.
Aconteceu o evento e eu já me via mergulhado neste novo caminho que se desenhava como possibilidade de realização de um trabalho comprometido com uma causa social. E aos poucos, comecei a entender os diversos significados da atuação, de forma coletiva e organizada, em prol de um ideal, mesmo que delineado por utopias apaixonadas e crentes, em minha fantasia de jovem militante.
Nem imaginava como funcionava uma organização como esta. Tinha clareza do meu desejo em colaborar, mas desconhecia este universo.
3 – Quais são as principais atividades do SOMOS?
Nossa principal atuação está focada no campo da Incidência Política e do Controle Social na área dos Direitos Humanos e dos Direitos Sexuais e Reprodutivos. Este trabalho se dá através da fiscalização e monitoramento da execução de políticas públicas pelos governos. Como atividades-meio, desenvolvemos ações e projetos sociais ligados à Educação, Cultura, Saúde e Direitos Humanos.
4 – Vocês tem alguma ideia do número de pessoas que são atendidas pelo SOMOS hoje?
Diariamente, atendíamos na sede da ONG uma média de 15 pessoas. Mas o principal alcance de público é difícil de medir, se formos pensar no alcance de uma ação de Incidência Política por exemplo. No final do ano passado, tivemos a decisão do STJ reconhecendo o casamento de duas lésbicas gaúchas. Esta ação foi pensada e encaminhada pelo SOMOS e sua conquista teve um impacto na vida de milhares de brasileiras e brasileiros. A participação em uma decisão no Conselho de Saúde incide diretamente na vida de várias pessoas.
5 – Qual a principal demanda?
Entre as demandas cotidianas, o serviço jurídico tem uma procura bastante significativa. Assim como o acompanhamento de ações dos governos e da mídia, através do Controle Social.
6 - De que forma o SOMOS sobrevivia? Havia alguma ajuda por parte do governo?
A sustentabilidade de nossas ações e serviços, assim como de diversas outras organizações, se dá através de acesso a financiamentos e editais públicos e de parcerias institucionais. Não consideramos isso como ajuda, mas como uma forma de também usufruir de recursos que provém de impostos pagos por qualquer um de nós. O dinheiro que se convencionou a chamar de dinheiro do governo é, na verdade, nosso, de qualquer cidadão. O estado tem o trabalho de fazer a melhor gestão possível disto. E infelizmente, nem sempre a faz.
7 – Então foi a falta de maior apoio do governo que fez o grupo fechar as portas?
Sim. Não existem modalidades de financiamentos governamentais que permitam a sustentabilidade das organizações como o SOMOS, por exemplo. Os convênios normalmente são focados na execução de ações e projetos e não levam em conta que os projetos precisam ser geridos dentro de um espaço físico, com acesso à luz, água, telefone e internet. Apoio para pagamento de aluguel e serviços básicos para manter uma organização em funcionamento raramente são abarcados pelos convênios. É provável que tenhamos que entregar o imóvel alugado da sede nos próximos meses por falta de recursos. Por outro lado, falta vontade política por parte dos governos de se comprometer com as populações que trabalhamos. Há uma necessidade gigante de focar ações sérias e comprometidas com a população LGBT, que sofre cotidianamente com a violência homofóbica e negligência de direitos básico igualitários. No caso da AIDS, há anos os governos municipais e estaduais não executam seus planos de enfrentamento à epidemia, que afeta diretamente a população gay.
Serão suspensas serviços gratuitos como assessoria jurídica a pessoas vítimas de discriminação e violência, distribuição de insumos de prevenção ao HIV/Aids e outras infecções sexualmente transmissíveis, manutenção de grupos de convivência, realização de oficinas educativas e o acesso ao acervo documental com mais de 2 mil ítens, entre livros e filmes.
9 - E na ausência de vocês quem prestará esses serviços?
O Estado não o fará. Pelo menos não imediatamente e nem com a mesma expertise e realização de trabalho de pares que o Movimento Social tem e faz.
10 - O SOMOS manterá alguma atividade então?
Sim. Honraremos todos os compromissos pactuados em projetos e ações vigentes. Mesmo os que não estão sendo pagos. Também manteremos as atividades de incidência política e controle social participando de conselhos e espaços de decisões políticas abertos à participação da sociedade civil organizada. O que chamamos politicamente de “fechamento de portas” é a suspensão de todas as atividades de atendimento direto ao público e que não dispõem de recursos específicos há muito tempo.
11 - Qual a sua principal crítica em relação ao governo e sua atuação junto a ONGs como o SOMOS?
Nossa principal crítica neste momento se refere à ausência de um marco regulatório entre a relação de Governos e ONG. Uma ONG sofre cobranças como governo e paga impostos como empresa. E não é uma coisa nem outra. Na ausência de uma legislação específica e de diálogo mais franco e aberto com o Movimento Social, não há como impedir o desmonte das organizações no cenário atual.
12 - De que forma você acredita que este quadro pode ser revertido?
Um caminho para reverter este quadro é provocar um debate sobre a legitimidade e o papel das ONG na sociedade. Provocar a opinião pública é mobilizar, fazer pensar.
13 - Recentemente vocês iniciaram uma campanha em Porto Alegre cuja a finalidade era espalhar outdoors na cidade de Porto Alegre, contra o preconceito. De que forma ficou esta campanha? Já
obtiveram algum resultado?
O objetivo da campanha Acredite em Sonhos, Provoque Mudanças era marcar os 10 anos da instituição com uma campanha de sensibilização da população para os nossos temas de trabalhos. A instalação de outdoors, de cartazes lambe-lambes e da veiculação do vídeo viral foram meios encontrados para ocupar a cidade, valorizando o espaço público e as redes sociais como potentes canais de comunicação. Tivemos um retorno bastante satisfatório em termos de receptividade da população. Por outro lado, a campanha de arrecadação de fundos para colaborar com a campanha teve baixíssima adesão. Dos R$ 23.907,50 a serem cobertos, não conseguimos nem R$ 1000,00. O que pode significar que temáticas como sexualidade e AIDS não sejam tão interessantes a causas benéficas. Em outras palavras, são temas igualmente discriminados.
14 - Você tem alguma crítica em relação à militância LGBT?
Há uma necessidade urgente de profissionalização da Militância LGBT. Existem novos espaços, públicos e meios que devem ser potencializados e utilizados na realização de ações de Incidência Política. Também acreditamos que se faz política trabalhando em diversas áreas. Por isso é importante desenvolver ações em Cultura e Educação, por exemplo. As mudanças de paradigmas sociais, como o tabu da sexualidade, são operadas através de transformações sociais. A militância precisa se oxigenar e abrir espaço a novos protagonistas, também.
15 - Qual a sua mensagem para àqueles que estão iniciando na militância LGBT?
Acreditem em sonhos e provoquem mudanças. Mais do que ter vontade e intenção, é importante agir, transformar. E ter para si convicções claras para poder atuar no campo da política sem adquirir vícios negativos, que são o comodismo e a conformidade.
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Sandro Ka – 30 anos. Artista visual, designer gráfico e produtor cultural. Formação em Artes Visuais – UFRGS.
O SOMOS – Comunicação, Saúde e Sexualidade é uma organização da sociedade civil criada em 2001, formada por uma equipe multidisciplinar de profissionais das áreas da Educação, Saúde, Direito, Comunicação e Cultura. A missão é trabalhar por uma cultura de respeito às sexualidades através da educação da sociedade e afirmação de direitos. Veja mais no site do SOMOS clicando aqui.
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