'É tanto rótulo que chega a dar enjoo', diz, no Recife, João W. Nery


Transexual lançou releitura de autobiografia, na noite desta quinta (1°).
Antes do lançamento do livro, houve debate sobre o tema com plateia cheia. 



João W. Nery lança livro no Recife (Foto: Luna Markman)João W. Nery lança livro no Recife
(Foto: Luna Markman)
Apesar de repudiar rótulos, João W. Nery ganhou um: o de primeiro transexual homem operado no Brasil. Até os 27 anos, o carioca viveu com um corpo de anatomia feminina. Na década de 70, em plena ditadura militar, ele se submeteu a uma cirurgia de readequação sexual, considerada ilegal na época. Logo em seguida, escreveu o livro autobiográfico "Erro de pessoa: João ou Joana?”. Nesta quinta-feira (1°), o escritor veio ao Recife lançar uma releitura da obra, intitulada “Memórias de um transexual trinta anos depois". Antes da sessão de autógrafos, houve um debate sobre o tema no auditório da Livraria Cultura, no Cais da Alfândega, que foi bastante prestigiado.

E por que remexer em um passado tão doloroso? “É que eu já vivi muita coisa desde então. Naquele tempo, eu nem sabia direito quem eu era”, disse João W. Nery. Por falta de uma legislação própria para a transexualidade, teve que inventar no cartório que não havia sido registrado ao nascer. Mesmo com a nova identidade, ele perdeu tudo que tinha conquistado até ali. “Sou formado em psicologia, era professor, tinha um consultório. Virei ninguém, um analfabeto. Hoje eu não sou nada. Até escrever o livro, tive que trabalhar como pedreiro, terapeuta corporal, técnico em computador, vendedor de tudo para sobreviver”, disse.

Perguntado se algo mudou nesses 30 anos para um transexual no Brasil, João acredita que houve poucos avanços. “A cirurgia hoje é legalizada, existem as paradas gays, quando as pessoas não têm vergonha de beijar e andar de mãos dadas nas ruas. Porém, avançamos pouco na legislação. Também acho que todos devem passar por uma readequação, metaforicamente falando, já que, logo ao nascer, por causa da nossa anatomia, já nos dizem o que nós vamos ser. Hoje tem homo, bi, trans, é tanto rótulo que chega dá enjoo. Mas as coisas estão caminhando, inclusive, é só olhar para este auditório lotado”, comentou.

Professora buscou conhecimento extra-curricular (Foto: Luna Markman)Professora buscou conhecimento extracurricular
(Foto: Luna Markman)
Na plateia, profissionais de saúde, acadêmicos, ativistas e curiosos. “Trabalho com adolescentes e saúde mental na pediatria, além de trabalhar com conflitos de identidade sexual, por isso vim. É o tipo de saber que a gente não encontra nos livros”, disse a professora Betinha Fernandes, responsável pelo ambulatório de pediatria do comportamento do Hospital das Clínicas. “Estudo psicologia e sei que no futuro posso encontrar pacientes nessa situação. É importante a gente saber como apoiá-los, com a mente aberta”, falou a estudante Ana Bárbara Araújo. “Sou educador em uma ONG e lá têm jovens travestis, homossexuais. A gente pauta assuntos como gênero, sexualidade e preconceito”, explicou o professor de artes Marconi Bispo.

Romper preconceitos. Esse é o grande objetivo dos livros lançados por João W. Nery. A Associação Brasileira de Homens Trans (ABHT) organizou o evento desta noite com apoio da Prefeitura do Recife. “Estamos aqui para dar visibilidade ao transexual do sexo masculino em virtude das dificuldades que passamos nessa sociedade machista. Eu, por exemplo, estou tentando uma cirurgia há dois anos. Nós somos expulsos de casa, não conseguimos emprego, sofremos bullying na escola, assédio sexual”, comentou Leonardo Tenório, da ABHT.

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